Fortaleza cria comitê popular - SOCIEDADE CIVIL REAGE

24/05/2010 08:15


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SOCIEDADE CIVIL REAGE (16/5/2010)

Fortaleza cria comitê popular

 

 





Comunidade do bairro Boa Vista será atingida duplamente: urbanização do Cocó e alargamento de vias
NATINHO RODROGUES


Cerca de 20 entidades participam do Comitê Popular da Copa, cujo objetivo é impedir a retirada de comunidades

A sociedade civil de Fortaleza se organiza para acompanhar o passo a passo dos preparativos para a realização da Copa 2014. Por se tratar de um grande evento de massa, existem implicações positivas e negativas nos locais onde são realizados, daí a preocupação de alguns setores da sociedade, como por exemplo, os ligados ao movimento popular organizado.

O receio é de que em nome de uma melhoria na mobilidade urbana, comunidades sejam retiradas dos seus locais de origem e alocadas em outros distantes e sem infraestrutura. Para evitar situações desse tipo, desde setembro do ano passado, a sociedade civil organizada de Fortaleza, durante evento realizado em setembro do ano passado, na Organização Não-Governamental (ONG) Cearah Periferia, resolveu criar o Comitê Popular da Copa que conta, hoje, com cerca de 20 entidades diferentes, lembra Valéria Pinheiro, coordenadora de projetos da entidade.

O movimento conta com a participação de universidades e outras entidades, além de associações de bairros como Lagamar, Boa Vista e Passaré, figuram entre os principais a serem atingidas pelas mudanças. O principal temor das comunidades é com as desapropriações, preocupação estendida aos especialistas que lidam com urbanismo, já que os processo podem demorar a ser solucionados pela Justiça.

Márcio Alan Menezes Moreira, integrante do Comitê Popular da Copa e do Movimento dos Conselhos Populares, assegura que a criação do comitê tem o principal objetivo de evitar a "política de remoção das populações que parece remontar a ideia higienista. O medo é da construção de uma cidade turística, retirando dela esta parte, ou seja, as comunidades que estão no percurso do projeto. O advogado se refere à retirada de populações para a instalação de grandes hotéis. Afirma que o turismo pode ser desenvolvido dentro de ótica que leve em consideração a cidade integral.

A experiência de Fortaleza se baseia no Comitê Social que funcionou durante os Jogos Pan-Americanos 2007, no Rio de Janeiro. "A sociedade civil monitorava os trabalhos através das organizações populares e entidades", conta. A ideia da criação do comitê local foi justamente devido à falta de informações por parte dos governos Estadual e Municipal, completa.

O trabalho não consiste apenas em "monitorar o gasto público", explica, chamando a atenção para dado que considera importante, os orçamentos tanto do Pan 2007 quanto para a Copa da África do Sul foram aumentados. "No Pan a previsão variou entre três a quatro vezes mais".

Márcio Alan Moreira fala do que aconteceu com cerca de cinco mil pessoas que moravam nas comunidades Vila Cazumba e Lagoa do Zeza, entre a Avenida Rogaciano Leite e a BR116 e foram deslocadas para o conjunto habitacional Maria Tomásia, depois do Jangurussu. "Elas foram deslocadas para áreas sem infraestrutura". Há carência de equipamentos como escola, posto de saúde e transporte. Alerta para o projeto de revitalização do rio Cocó que compreende o Conjunto Palmeiras até Sabiaguaba.

"Somos contra a remoção das pessoas para locais sem serviços públicos básicos, quebrando os vínculos de trabalho e comunitários". O advogado justifica que esta não é a política pública adequada porque viola a Lei Orgânica da Cidade, acrescentando que Fortaleza se caracteriza pela "mistura" entre periferia e área nobre. "Uma cidade segregada se torna mais violenta, ou seja, quanto maior for o abismo entre ricos e pobres", atenta, esperando que a Copa de 2014 não aumente o apartheid em Fortaleza.

Outra preocupação da comunidade diz respeito ao Veículo Leve sobre Trilho (VLT), que vai ligar o Mucuripe ao bairro Parangaba cujo projeto vai atingir várias comunidades.

PREOCUPAÇÃO
Planos devem ter a visão geral da cidade

A falta de discussão com a sociedade acerca dessas obras, algumas envolvem desapropriações, como os alargamentos de ruas e avenidas, sem contar com a ausência de um projeto que dê uma visão integral à Cidade. Esta é a principal preocupação dos especialistas, como alerta Odilo Almeida Filho, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento do Ceará (IAB-CE).

Ele considera estranho que uma série de intervenções na Cidade "não esteja dentro de um plano territorial global". Até o momento, afirma que nenhum projeto relacionado à Copa de 2014 foi encaminhado aos órgãos e entidades nas quais o IAB tem assento. "A preocupação é que o município de Fortaleza não atenda às exigências da Fifa dentro do prazo previsto".

A preocupação de Odilo Almeida Filho é com relação à execução dessas obras previstas para credenciar Fortaleza a continuar sendo cidade-sede, não levem em consideração um plano geral de planejamento urbano futuro. Ou seja, "o que deixarão de herança para o desenvolvimento da Cidade". Uma das lacunas que precisam ser preenchidas diz respeito à divulgação dos projetos, isto é, que essas soluções planejadas no âmbito privado dos governos, ganhem espaço público.

ESCOLHAS SÃO POLÍTICAS
Eventos têm efeitos negativos também

Carla Camila Girão Albuquerque, mestre em Urbanismo e professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), pontua: "Para o entendimento da escolha da localização de grandes eventos mundiais, como as copas do mundo, feiras internacionais, jogos olímpicos e outros, as questões econômicas e políticas são fundamentais". Estes eventos são encarados como oportunidades desencadeadoras de melhorias em diversos setores da economia destes países e melhoria da urbanidade das cidades sedes.

"A pouca participação da população na escolha dos projetos também é um elemento negativo", destaca, admitindo as imposições dos organismos internacionais, como a Fifa, desconsideram características locais o que contribui para o agravamento dos impactos. Observa o deslocamento de eixo desses eventos. "A maioria das copas do mundo, de fato, foram realizadas em países ricos. Nesta década, contudo, duas copas do mundo serão realizadas em países em desenvolvimento".

Neste aspecto, reconhece que "para além do evento esportivo as oportunidades de investimento em infraestrutura urbana e visibilidade mundial são os elementos condutores fundamentais das disputas pelo evento". Conforme a professora a votação para a primeira Copa do Mundo na África do Sul foi o resultado de pressões políticas que visavam uma maior rotatividade dos investimentos". Apesar da euforia em torno da escolha de um país para a realização de evento deste porte, é preciso lembrar, "são muitos os efeitos negativos também".

FALTA DE INFORMAÇÃO
"Projeto da Copa é uma caixa-preta"

Uma equipe multiprofissional para avaliar os projetos que serão executados em Fortaleza para a Copa 2014. O pensamento é defendido por Thereza Neumann Santos de Freitas, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Ceará (Senge-CE), a ideia é que a gente faça o acompanhamento dos órgãos. Esclarece: "Os projetos dizem respeito à área tecnológica, portanto, a nós.

"Não podemos ficar informados pelos meios de comunicação", desabafa. São obras que envolvem projetos e estudos não apenas de impacto ambiental, mas de tráfego que implicam em mudanças na Cidade. A presidente do Senge-CE afirma que a entidade dispõe de especialistas capazes especialistas capacitados para discutir sobre todas as obras. "Para a sociedade o projeto da Copa é uma caixa preta", destaca Thereza Neumann, defendendo que é preciso discutir sobre os efeitos dessas obras.

Algumas, como a ampliação do Porto do Mucuripe, por exemplo, tem toda uma nuance, como a área a ser construída e a própria execução. "Quais serão os impactos?", Indaga a engenheira, completando que "não se trata de visão de querer atrapalhar o desenvolvimento", mas podemos ter uma cidade com uma mobilidade urbana mais adequada e com um transporte público de massa realmente e de qualidade.

Uma das obras destacadas por Thereza Neumann é a urbanização do rio Maranguapinho pelo impacto proporcionado. "Será muito positivo para Fortaleza por isso temos que nos apropriar desses projetos", conclama. Nosso papel quanto entidade de engenharia é estudar inovações tecnológicas capazes de diminuir os impactos. As obras são muito diversas, destacando outras que irão gerar polêmicas como o alargamento das vias.

"Todas envolvem imóveis a serem desapropriados quer residenciais ou comerciais, às vezes, industriais". Um dos principais questionamentos é como vencer o tempo, uma vez que, todas as desapropriações devem ser avaliadas e a demolição pode esbarrar em entraves jurídicos. "Mesmo sendo de interesse público não impede que sejam geradas ações judiciais", alerta Thereza Neumann, explicando que cada imóvel gera um processo.


IRACEMA SALES
REPÓRTER